3 notas sobre a morte de David Bowie

O que eu trouxe na bagagem da Colômbia

A(s) pergunta(s) que eu não fiz para Steve Aoki

27 de abr. de 2015

Não, eles não estão à venda no free shop

Acho triste como, em plena era do acesso fácil à informação abundante, a gente às vezes simplesmente negligencia certas coisas. Nunca foi tão fácil e barato ouvir toda e qualquer música de todo e qualquer lugar do mundo e, no entanto, a maioria se limita a ouvir música local e aquela que ainda é jorrada dos Estados Unidos e da Inglaterra. Me incluo nessa; shame on me.

Veja só: precisei viajar até a Colômbia para ouvir um pouco do que se está produzindo de música contemporânea por lá (ok, pra não dizer que estou tão ruim assim lembro que pelo menos o Bomba Stereo eu já conhecia). Na minha viagem para Bogotá, onde fui ao festival Estereo Picnic em missão do meu amado Festivalando, tive a oportunidade de ver ao vivo dois artistas emergentes da cena local.

Na verdade, são dois duos. O La Tostadora é um coletivo audiovisual que faz o que eles denominam de "rayacoco bailador", aquele tipo que é capaz de se acabar de dançar tanto com cumbia, regaetton, quanto com house. Ou seja, um encontro esperto de música eletrônica com elementos populares e folclóricos.



A performance de palco da dupla também entrega essa união de tradição e modernidade. Como é de costume na cena eletrônica hoje, eles se apresentam mascarados. Mas de uma maneira bastante singular, os adereços os transformam em "dois caciques de rave", nos próprios termos da dupla. Por enquanto, o La Tostadora tem um EP no currículo, "Rayacoco Bailador".



A outra dupla é Pedrina y Río (em foto que abre este post), dona de um pop delicado e gracioso, recheado com camadas eletrônicas e guitarra. A primeira música do duo, "Enamorada", foi lançada despretensiosamente no ano passado, sem nenhum artifício promocional, em uma rádio independente de Bogotá, e logo se converteu em hit nacional, daquele tipo que os ouvintes pedem nas rádios. Neste ano sai o primeiro álbum da dupla.

22 de abr. de 2015

Siga Paul Stanley!

Nesta semana, os fãs brasileiros do Kiss poderão ficar mais perto da banda, já que os quatro mascarados estão em turnê pelo país (ontem, 21, em Curitiba; amanhã, 23, em BH; dia 24 em Brasília e dia 26 em São Paulo). Quem pode mai$, além de se aproximar através dos shows, também comprou o pacote de R$ 4 mil que dá direito a uma sessão de Meet and Greet com a banda. Já quem estiver em São Paulo vai poder ficar mais perto ainda do membro mais icônico da banda e sua fiel companheira: Gene Simmons e sua língua estarão na Livraria Cultura, em São Paulo, no sábado (25), para o lançamento do livro do baixista, "Eu, S.A. – Construa um exército de um homem só, liberte seu deus interior (do rock) e vença na vida e nos negócios " (ed. Rocco).

Mas é possível ficar perto de outro membro da banda independente de shows, pacotes caríssimos ou sessões de autógrafos - entenda apenas que o conceito de "perto", neste caso, pode ser também um encurtador de distâncias propiciado pela internet. É Paul Stanley. Vejo o vocalista do Kiss todos os dias. Na minha timeline do Twitter. E é um dos perfis mais legais que sigo: ativo, espontâneo, descontraído, interativo, tudo muito com um clima de vida real - o que cria essa sensação de proximidade.

Há mais de um ano seguindo Paul no Twitter, tenho a sensação de que ele é aquele vizinho que, apesar de não ter nenhuma relação especial comigo, tem pinta de gente fina, me desperta simpatia e está aí, todos os dias, cruzando meu cotidiano em algum momento. O Starchild é do tipo que tira foto de comida, tira sarro dos looks  da Semana de Moda de Nova York e comenta sobre os treinos que faz na academia. Tem dias que ele acompanha a esposa na aula de yoga. Depois os dois vão fazer um lanche no Starbucks. Faz parte do estilo de vida atual do artista, dinâmico, pra cima, otimista. Até hashtag que evoca isso ele criou: #LiveToWin. Muito recorrente na timeline de Paul, sempre vem acompanhada de tweets e imagens motivacionais.


Como ele é esse cara gente fina, separa tempo para dar atenção a quem tanto lhe requisita: os fãs. Eventualmente ele abre sessões de perguntas e respostas com os fãs - por conta própria, quando dá na telha, por tempo indeterminado, sem assessores interferindo ou ditando as regras ou sem a intenção de promover algo do seu trabalho. Responde de tudo: desde fãs brasileiros perguntando sobre a turnê no país até um fã que estava em dúvida sobre qual o melhor vinho que deveria comprar. Aos sábados, especificamente, é dia de ativar sua outra hashtag: #StarchildSatyrday, quando posta (e elogia absolutamente todas) as fotos de fãs caracterizados com a maquiagem do seu personagem no Kiss, o referido Starchild, de face branca e estrela negra no olho direito.


Mas Paul também é um astro do rock e não se esquece disso no Twitter. A parte mais interessante é que ele faz isso com um entusiasmo de um músico iniciante, daquele tipo que ainda se empolga com as primeiras entrevistas e batalha para divulgar cada show na sua agenda. Paul posta fotos de bastidores de entrevistas, selfies no camarim e na chegada ao aeroporto, convoca o público para cada show do Kiss e logo em seguida agradece a todos aqueles que compareceram à apresentação. Ele faz parecer como se para ele tudo ainda fosse tão encantador como da primeira vez. Poderia ter assessores que fizessem o mesmo tipo de divulgação de maneira burocrática, mas faz por conta própria, do seu jeito e com muita disposição.


A propósito, Gene Simmons também está no Twitter, tem quase quatro vezes mais seguidores que Paul, mas seu perfil segue mais essa linha burocrática-divulgação-de-agenda que mencionei acima. Não tenho dúvidas de qual grupo de seguidores se sente mais próximo do ídolo.

E que fique claro: não sou fã do Kiss, a banda nunca me marcou ou fez parte da minha história, apesar de eu ser capaz de entender o papel específico que eles desempenharam no showbiz. Ouvi a banda como caminho natural de quem ouve rock - simplesmente é preciso ouvir os clássicos. Pra você ver como Paul Stanley consegue ser uma figura extremamente simpática no Twitter. Conquiata até quem não é fã. Segue lá: @PaulStanleyLive.


20 de abr. de 2015

Moço, você é feminista

Era o segundo dia de Lollapalooza Brasil, domingo, 29 de março. No meio da tarde, quando começava a garoar no Autódromo de Interlagos e o Interpol subia ao palco à luz do dia, num contraste incômodo com a natureza dark light de sua música, recebi a notícia de que teria cinco minutos de entrevista com o DJ Steve Aoki. Seria às 20h20, 25 minutos antes de seu show.

Me preparei para a entrevista e fui ver o que ainda restava do show do Interpol. Bolei cinco perguntas, ainda que a recomendação tenha sido que eu fizesse apenas três. Algumas eram curinga, para render assunto no caso dele ser um cara de poucas palavras. Tinha as obrigatórias - sobre a segunda parte de "Neon Future", álbum que será lançado no próximo 12 de maio. E tinha uma que eu faria a qualquer custo, e tinha pensado em engatar logo depois que ele comentasse algo sobre o novo trabalho.

Pesquisando, descobri que Steve tem uma graduação em estudos de gênero. Isso é lindo. Fiz disciplinas eletivas sobre o assunto no curso de Antropologia da UFMG, e uma das queixas do meu professor e dos autores que a gente lia era justamente em relação ao baixo envolvimento dos homens na discussão acadêmica sobre o tema (e quem dera se o problema fosse só dentro da academia). É mais lindo ainda porque estamos num momento bem peculiar no qual o feminismo entrou para o vocabulário da música pop, o que eu acho ótimo. Só que, reforçando a observação anterior, temos presenciado, em sua maioria, as mulheres apenas se posicionando sobre a questão: a rainha-diva-mãe-maior Beyoncé, a fofucha da Taylor Swift, as lelekas Rihanna e Miley e, por aqui no Brasil, Pitty com toda sua elegante eloquência. Steve é um membro muito bem vindo no clube, para mostrar que essa não é só uma questão de interesse para as Luluzinhas.

Às 20h, vinte minutos antes do horário marcado, fui avisada de que a entrevista havia sido cancelada. Steve estava finalizando uma sessão de fotos para a Vogue. Logo em seguida faria um show disputadíssimo no Palco Perry, com direito à segurança impedindo o público de entrar na tenda sob risco de super lotação.

Não fiz a pergunta que tanto queria para Steve: o que levou a escolher essa campo de estudos. Mas perguntei pro Google e descobri que ele se auto-declara feminista e não entende porque ainda há caras que acham estranho um homem dizer isso. Já temos um novo ponto de partida pra conversa quando rolar uma nova oportunidade de entrevista.

17 de abr. de 2015

Eu tenho sido uma moça tão rodada nos últimos tempos que rodei, rodei e fui para muito longe deste blog. Na foto, eu rodando no Chile, depois de rodar na Colômbia e antes do Paraguai 

Não tá fácil pra ninguém, muito menos pra este blog, que ficou parado lá em 2014. É que a dona dele anda atarefadíssima com a última cria, o Festivalando, projeto de turismo musical sobre o qual já falei aqui algumas vezes. Me sinto muito mal por isso, porque aqui é o meu playground maior, mas o Festivalando realmente precisa muito de mim neste momento e vai precisar por muito mais tempo. Amém.

Mesmo assim, vou me esforçar para manter alguma regularidade aqui, ainda que a periodicidade não seja das melhores. Para começar, vou reproduzir aqui um texto de minha autoria que fiz originalmente para o Papo de Homem um tempo depois da viagem de dois meses na qual o Festivalando foi parido. Ajuda a entender como ele e as experiências advindas dele invadiram minha vida de um jeito inescapável. Stay tuned!

O que aprendi viajando para festivais de música

Roskilde Festival, Dinamarca, julho de 2014. No acampamento, onde festas improvisadas se sucedem num contínuo temporal, um grupo de rapazes canta, dança e bebe umas cervejas do lado de fora da barraca. A alguns passos dali, atrás de uma barraca vizinha, um cara vira-se de costas, abre o zíper da calça e faz xixi. Uma menina se aproxima, fica do lado do cara, agacha-se, abaixa a calça e faz xixi. A festinha continua ao mesmo tempo em que alguns dormem nas barracas e outros circulam pelo acampamento. Enquanto isso, um menino, duas meninas e outro menino repetem a cena do xixi no mesmo local, sem alterar o curso festeiro.

Para os dinamarqueses, parece não importar muito quem está abaixando as calças para fazer xixi no matinho. Mas importava pra mim e pra Gra, amiga e companheira na travessia por sete festivais de música na Europa nos dois meses que se seguiriam. A jornada ainda ganharia lá no final, na Hungria, uma terceira mosqueteira, a Paula, para completar o trio de moças obsessivas-compulsivas por shows que se conheceram na faculdade de Comunicação.

Ali no Roskilde, onde presenciamos a cena em questão durante uma das muitas festas que acontecem no acampamento, dávamos o pontapé inicial na jornada de festivais e também ao Festivalando. Quem? Em sua forma concreta, Festivalando é o site que a gente transformou em bagagem para guardar os "causos" (somos mineiras!), experiências e memórias desses festivais, assim como lugares e pessoas que conhecemos e ainda pretendemos conhecer. Em sua forma abstrata, é a vontade de retomar o fôlego na vida e fazer o que a gente gosta do jeito que a gente quer: escrever, contar histórias, ir a shows, viajar. Tudo isso sem medo de escorregar na água derramada depois daquele chute básico no balde (alguns empregos foram abandonados nessa história).

Quando deixamos o Brasil atrás de um alívio para nossa fissura por shows e de experiências em terra estrangeira para contar no nosso site, não imaginávamos que ver meninos e meninas abaixando as calças lado a lado para atender à simples e natural necessidade de aliviar a bexiga seria uma das histórias que ficariam na nossa memória.

Entre perrengues com dinheiro, comida e banheiro (porque existem perrengues nos festivais europeus também, ainda que em menor grau); shows bons e ruins e episódios isolados como esse de Roskilde, nos festivais eu acabei vivendo de forma muito mais aguda aquele inevitável deslocamento cultural que vem de brinde com o deslocamento físico de uma viagem.

Passar dias e às vezes uma semana inteira indo a um mesmo festival me fez ver dinamarqueses, suecos, suíços, alemães, tchecos e húngaros pintando cenas comuns de seu dia e dia e de sua cultura com tintas mais carregadas. "Culpa" do natural clima de oba-oba, extroversão exacerbada e às vezes um quase desbunde que insiste em impregnar a atmosfera de festivais, mas que não se encontra nos roteiros turísticos tradicionais. Um sentimento cultivado e evocado pela mítica aura de liberdade e liberação herdada, consciente ou inconscientemente do mais mítico e arquétipo de todos os festivais, aquele lá de 1969 – o Woodstock.

Arte: equipe Papo de Homem

É claro que dinamarqueses e dinamarquesas não fazem xixi na rua uns do lado dos outros; existem banheiros separadinhos para cada um. Mas em uma região como a Escandinávia, onde a bandeira da igualdade de gênero é uma política levada a sério pelo Estado e com resultados efetivos (tinha até mulher narrando a final da Copa na TV, gente), a cena das moças e rapazes juntos no matinho sem serem incomodados ou questionados por ninguém é uma amostra desse quadro em sua versão, digamos, mais exagerada e libertina, como pede o clima de festival. O mesmo vale para a outra ponta do extremo, na República Tcheca, no Brutal Assault, festival de heavy metal, quando eu e Gra tivemos que lidar com assédios constantes e infantis de marmanjos que chegaram a tentar fotografar nossas bundas. Uma reprise exagerada e abobalhada dos gracejos que ouvimos nas ruas de Praga, direcionadas a nós mesmas ou a outras moças, muitas com cara de turistas.

Lá na Alemanha, quando passei um fim de semana no Resist to Exist – festival de punk, hard core e ska –, vi que o casal de punks debochados que seguravam um pedaço de papelão com os dizeres "Beer and Weed" (cerveja e maconha) em meio aos restos do muro de Berlim posicionados na Potsdamer Platz não eram só peça decorativa. Sempre há algo por trás da paisagem turística.

Concentrando uma amostragem na casa dos milhares da população punk que ainda resiste em Berlim, o festival me revelou algumas das diferentes razões dessa resistência e, meio sem querer, algumas sutis desigualdades. Como o menino que penou para me dizer em um inglês meio tabajara que se identificou com o punk diante da dificuldade de conseguir um emprego ou o estudante universitário que mora com a família e disse se identificar com as bandeiras políticas do movimento depois da gente ter uma conversa pseudointelectual e comparativa sobre as pegadinhas do alemão e de línguas neolatinas, como o francês. Foi também no festival que ouvi, durante os shows e no meio do público, os gritos mais altos contra o neonazismo, que hoje é uma assombração institucionalizada na figura do Partido Nacional Democrático (NPD), que propaga seus ideais neonazistas com representação no legislativo alemão em dois de 16 estados.

Discurso forte anti-nazismo em festival punk de Berlim

E eu, que só queria ver uns shows em lugares por onde ainda não havia passado e fugir do marasmo profissional que me perturbava já alguns anos, voltei para o Brasil sem o emprego que deixei para trás, com nove quilos de excesso de bagagem que me custaram 40 euros e mais uma bagagem na cabeça que vale mais que todos os euros que eu gastei em dois meses e que não pesa nem um décimo do medo que foi deixar para trás um emprego estável.

O Festivalando virou um projeto profissional em potencial, com todo o entusiasmo e energia que eu procurava há algum tempo e que uma ideia nova e promissora naturalmente tem. A peregrinação por festivais foi um encontro inesperado com alguns dos hábitos, valores e comportamentos de jovens como eu nos países por onde passamos, e que não se repetiu nos passeios que fiz por pontos turísticos tradicionais, tão cheios de gente de todo lugar do mundo, mas tão vazios de quem vive e faz o dia-a-dia e a cultura daquele lugar (isso não é um desprezo pelo turismo padrão. Trago comigo também boas recordações da turistagem no muro de Berlim e no Cassino de Montreux, por que não?).

Não imaginava que a vontade de ver os Stones no Roskilde Festival me levaria, sem querer, a ver como homens e mulheres enxergam uns aos outros na Dinamarca, naquela reveladora e anedótica cena do xixi lá do início do texto. Ou que a oportunidade de ir a um festival em Berlim para voltar a ouvir o punk rock que tanto escutei na adolescência me mostraria como há uma camada da população, principalmente jovem, consciente e temerosa dos riscos de uma nova onda conservadora (alguma semelhança com esse Brasil pré e pós eleitoral?). A gente quer explorar ainda mais esse recém-descoberto portal de experiências, e já temos outros cantos do mundo na mira das próximas viagens: Nepal, Japão, Colômbia, Estados Unidos.

Festivais de música:  eventos que aqui e lá apostam tanto numa tal de experiência e seguem se esforçando para entregar ao público ~experiências únicas~ em forma de lounges patrocinados e de uma alegria jovial e descolada pré-fabricada por departamentos de marketing e produção. Mal desconfiam que as experiências já estão prontinhas para acontecer, em qualquer lugar - no palco, claro, no meio do público e até atrás da moita.

27 de dez. de 2014

Charlie XCX sabe se dar prazer melhor que aquele cara mais ou menos e ainda canta sobre isso. Deusa.

Quando Beyoncé surgiu no palco do Video Music Awards à frente de um telão com a palavra "feminista" em letras garrafais, em agosto, não estava só se posicionando positivamente em relação ao tema. Meio sem querer, acabou resumindo o que havia sido (e ainda seria) parte da pauta do pop em 2014. Taylor Swift finalmente percebeu que era uma feminista, Miley Cyrus reafirmou ser uma e ainda sobrou tempo para, aqui no Brasil, Pitty e Anitta protagonizarem um necessário debate sobre a liberdade sexual das mulheres (fora da música ainda teve o discurso de Emma Watson na ONU e todo o bafafá em torno do livro de Lena Dunham, Não Sou Uma Dessas).

Claro, o assunto não ficou só no nível das declarações e virou música também. O hit que colocou uma das vertentes do tema em debate pode ter sido "All About That Bass", de Meghan Trainor (um debate que ficou entre o acerto de incentivar a auto-aceitação do corpo e o equívoco de atacar outros tipos físicos para atingir essa aceitação), mas não foi essa a única música que tratou de questões feministas neste ano. Elas não escalaram as paradas de sucesso nem ganharam os mesmos holofotes e manchetes que o show de Beyoncé e a conversa de Pitty e Anitta, mas ainda dá tempo de você ouví-las:

O ano começou com "Go Forth, Feminist Warriors", uma espécie de versão feminista e mais hipster de "We Are The World" uma vez que reúne um grupo de mais de vinte vozes para tratar das diferentes lutas que as mulheres têm (ainda) que encarar. A comparação com o clássico beneficente capitaneado por Michael Jackson vem de uma das mentoras da gravação, a jovem Tavi Gevison, editora da Rookie, publicação online voltada para o público feminino.

A autoria é de Katy Davidson, nome por trás do projeto Key Losers. Nos vocais: Katie Crutchfield, MNDR, Kate Nash, Kimya Dawson, Suzy X., Tavi Gevinson, Katy Davidson, Marianna Ritchey, Geneviève Castrée, Thao Nguyen, Storey Littleton, Tegan and Sara, Dee Dee Penny (Dum Dum Girls), Ted Leo, Aimee Mann, Psalm One e Carrie Brownstein.

As moças cantam versos como "They mansplain every night and day/ But they can't mansplain our freedom away". "Mansplain" é um verbo fruto do neologismo e que, por isso, ainda não tem tradução direta para o português, mas pode ser entendido como a imposição da visão masculina para explicar uma determinada questão. Talvez algo como "eles impõem sua visão de mundo noite e dia, mas não vão impor a minha liberdade".




Em maio, a rapper norte-americana Sizzy Rocket fez uma espécie de revisão histórica ao reescrever os versos de "Girls", dos Beatie Boys, incontestavelmente um dos clássicos do trio nos anos 1980, mas também uma ode ao sexismo dados versos como "Girls - to do the dishes/Girls - to clean up my room/Girls - to do the laundry" (Garotas - pra lavar a louça/ Garotas - para limpar meu quarto/ Garotas - para lavar roupas).

A música já havia sido retrabalhada em favor das moças no fim de 2013, quando uma fabricante de brinquedos norte-americana usou uma paródia da letra para promover seus brinquedos, todos intencionalmente voltados para desenvolver em meninas o interesse por ciência, tecnologia, engenharia e matemática.

Sizzy deu mais um passo à frente e reescreveu os versos de modo a criar uma versão que fortalecesse jovens garotas, segundo a própria. Ela canta: "They have no idea / the pressure that we have to feel / be skinny / be pretty / have sex appeal / bend over / give it to me like you want a record deal" (Eles não têm a ideia da pressão que sofremos. Seja magra, seja bonita, seja sensual, se curve e se entregue a mim já que você quer um contrato assinado).




Ainda em meados do ano, o quarteto de Seattle Tacocat usou ironia na música "Hey Girl" para esbravejar contra o assédio nosso de cada dia que as mulheres sofremos ao andar pelas ruas, como bem mostraram o viral da moça que recebeu mais de 100 cantadas em 10 horas de caminhada pelas ruas de Nova York e o projeto Chega de Fiu-Fiu. Um bônus-track das moças de Seattle que também merece ser ouvido é a faixa "Crimson Wave", um convite bem humorado à aceitação positiva da menstruação.




Quase aos 45min do segundo tempo, a inglesa Charlie XCX fecha bem a lista com a faixa "Body of My Own", presente em "Sucker", álbum lançado agora em dezembro. A nova música ajuda a ampliar a coletânea de temas pop dedicados à masturbação feminina e ainda afirma com todas as letras: ele sente muito mais prazer sozinha do que com aquele cara mais ou menos.


26 de nov. de 2014

Vem cá que eu vou te explicar a teoria da matemática McCartneyana

Quem viu Paul McCartney em Belo Horizonte no ano passado e não conseguiu repetir a dose no retorno do beatle ao Brasil neste mês pode ficar tranquilo. Com a exceção da ausência do "uai" em seu palavreado e da inclusão de músicas do seu mais recente álbum "New", lançado após o show no Mineirão, não houve quase nada de diferente no show que o músico fez no Allianz Parque, em São Paulo, nessa terça (24).

McCartney é a constante da música pop que permanece inalterada há cinco décadas mesmo com o surgimento de novas fórmulas de sucesso e de se fazer música. Em sua equação que faz de seus shows elementos invariáveis, há precisão que ameaça ser burocrática, mas uma combinação de elementos que indica conhecimento e domínio de gênio sobre a matéria.

A frase "nesta noite vou falar um pouquinho de português" é dita desde 2010 aqui no Brasil logo antes de "All My Loving", sempre a terceira música da noite, e surpreende mais quem a ouve na boca do beatle pela primeira vez (Paul veio ao Brasil em todos os anos desde 2010 e já soma 16 shows no período, em quatro regiões - apenas o norte ainda não recebeu o músico).

Por outro lado, mesmo repetitivas, não perdem o impacto a explosão de emoção na passagem do solo de ukelele para as guitarras em "Something", a sequência quase épica de clássicos em "Live and Let Die"/"Let it Be"/"Hey Jude" ou o dedilhado de violão em "Yesterday".  

As variáveis ficam por conta do que acontece fora do domínio do Sir. Na noite dessa terça, em São Paulo, ficaram a cargo da chuva incessante antes e durante o show, do som mal equalizado em alguns momentos e de uma falha repentina em um dos telões, que ficou totalmente apagado por alguns segundos.

E se Paul é uma constante, assim também o são seus efeitos sobre o público. Turnê após turnê, repetem-se as mesmas cenas: pais, filhos e netos unindo três gerações na plateia, estádios lotados cantando clássicos do século XX em coro, elogios à sua boa forma do alto de seus 72 anos e ao seu carisma.

Difícil distinguir quem reage assim porque acabou de descobrir a fórmula de quem reage dessa forma porque já a conhece e a compreende. Em ambos os casos, o resultado é um só: é uma fórmula ainda incontestável na ciência do pop.

*Originalmente publicado no portal O TEMPO.

4 de nov. de 2014

Chico Buarque lança em 14 de novembro o romance "O Irmão Alemão" (Companhia das Letras), cuja trama é "uma busca pela verdade e os afetos", segundo a misteriosa divulgação feita pela editora - além da sinopse econômica, foi divulgado também um vídeo no qual o autor lê um trecho do livro, o sétimo da carreira de Chico como compositor. Potencialmente um dos lançamentos literários mais badalados de 2014 no Brasil, este não é, porém, o único que envolve músicos atravessando a fronteira da literatura. Estreantes ou razoavelmente veteranos nas letras, outros compositores brasileiros também lançaram livros este ano. Veja:



Tony Bellotto e Bellini e o Labirinto (Companhia das Letras, 280 págs.)
Nono livro do guitarrista dos Titãs e quarto com o protagonista do título, Bellini e o Labirinto traz de volta o detetive particular fã de blues e morador de um apartamento na avenida Paulista. Desta vez, Bellini viajará a Goiânia para negociar com os sequestradores do milionário Brandãozinho, atendendo a pedido de Marlon, parte da famosíssima dupla sertaneja Marlon & Brandão.


Rita Lee e Storynhas (Companhia das Letras, 96 págs.)
Com ilustrações de Laerte, o livro é uma coletânea das micro-narrativas criadas por Rita Lee no Twitter desde 2010, quando a compositora aderiu à rede social. Organizadas para atender ao formato do livro, as histórias ganharam títulos, mas mantiveram a grafia original das mensagens de 140 caracteres, com abreviações, por exemplo.


Vitor Ramil e A Primavera da Pontuação (Cosac Naify, 192 págs.)
O músico gaúcho Vitor Ramil traz referências das manifestações ocorridas no Brasil em junho de 2013 para seu terceiro romance, A Primavera da Pontuação. Com traços de fábula e alegoria, a história transforma sinais ortográficos e regras gramaticais nos personagens da história. Tudo começa quando uma palavra-caminhão carregada de letras garrafais atropela um ponto e foge sem prestar socorro. A pontuação de Ponto Alegre se revolta e protagniza enfrentamentos com o governante, o Regente com problemas de regência, a Passiva, polícia secreta do Estado e os radicais Grego e Latino.


Pitty e Cronografia: uma trajetória em fotos (Edições Ideal, 160 págs.)
O primeiro livro da carreira de Pitty é uma biografia fotográfica da baiana entremeada por textos escritos pela própria artista. Partindo de sua infância, o livro segue para o resgate do início de sua carreira musical nas bandas Inkoma e Shes, relembra a consagração no início dos anos 2000 e abre espaço para o projeto paralelo Agridoce.


Thedy Corrêa e Noite Ilustrada (Belas-Letras, 131 págs.)
O vocalista do Nenhum de Nós lança seu segundo livro de poemas, que gira em torno da insônia e das longas madrugadas encaradas pelo artista em função dos shows com sua banda. O tango como trilha sonora das noites em claro, especulações sobre a insônia de Paul McCartney e a última noite de Natal com os pais são a matéria-prima para alguns dos versos.


Tico Santa Cruz e Pólvora (Belas-Letras, 168 págs.)
Pólvora é o terceiro livro de Tico Santa Cruz e a primeira incursão na ficção. O romance policial parte das incursões criminosas de uma dupla de jovens para fazer uma crítica caricata à realidade política, social e econômica do Brasil.

*Texto escrito para o Brasil Post

1 de out. de 2014



Brody Dalle soltou o verbo contra o clipe de "Booty", single de Jennifer Lopez e Iggy Azalea. Primeiro no Twitter, e depois no Facebook (onde prolongou o assunto porque precisou se explicar mais), Brody lamentou que o vídeo passe a imagem de que J Lo e Iggy são apenas partes de corpos disponíveis para o prazer dos homens (aquela discussão necessária sobre a objetificação, você sabe). Tudo de uma maneira muito bem fundamentada e respeitosa com as mulheres em geral e as duas moças do clipe em particular, em cujos talentos superiores ao físico Brody acredita.

Como Brody se mostrou muito consistente em seu ponto de vista sobre o clipe que enaltece os bunbuns das duas cantoras, queria muito saber o que ela teria a dizer sobre "Tá Pra Nascer Homem Que Vai Nascer em Mim", nova música de Valesca, que usa o popô no nome e no palco ao mesmo tempo em que brada sobre sua autonomia diante dos homens - em um discurso que não é novo e nem revolucionário, mas ainda necessário. E aí, Brody?
 
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