11 de jan. de 2016

Starman


David Bowie morreu e eu passei o dia inteiro com três coisas na minha cabeça:

1) Estranheza é o sentimento mais forte pra mim neste momento 
Surpresos todos nós estamos, pesarosos também. Mas ainda tenho que lidar com o estranhamento porque Bowie parecia uma figura muito próxima nos últimos dias - o que por si só já é estranho. Eu passei a última semana de 2015 lendo O Homem Que Vendeu o Mundo - David Bowie e os anos 1970, uma análise exploratória super profundo e detalhada que Peter Doggett faz da obra de Bowie na década de 1970, período em que ele dominou a arte de surpreender o mundo (curioso que passei os últimos dias de 2014 também lendo um livro sobre Bowie, Dangerous Glitter - Como David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop Foram ao Inferno e Salvaram o Rock´n´roll, de Dave Thompson.

É um calhamaço de quase 600 páginas e eu tinha mais de 400 para finalizar a leitura que eu havia interrompido lá pra agosto. Devorei umas 100 páginas num dia, umas 50 em outro, 80 em outro, e nesse ritmo voraz acabei me adensando no universo "bowiano". Ao fim, parecia que eu tinha conhecido Bowie de perto e batido alguns papos com ele. O lançamento de "Blackstar" alguns dias depois, o aniversário e alguns documentários que vi na TV por conta da comemoração dos seus 69 anos só reforçaram essa sensação de presença de Bowie em minha vida.

Ele parecia tão próximo nesses últimos dias (justamente nesses últimos dias!) e, no mesmo instante em que estava aqui, já não estava mais.

2) A internet está certa
Horas depois da notícia da morte de Bowie, começaram a pipocar na internet textos que analisam como seu último disco era, na verdade, um anúncio sobre sua morte. As simbologias em torno do nome ("Blackstar"), do single ("Lazarus", o personagem bíblico que morreu e foi ressuscitado por Jesus, as menções ao paraíso na letra) e do clipe do single em questão (com Bowie em um leito de hospital) foram logo decifradas. Poderia ser mais uma das pirações conspiratórias dessa terra sem lei chamada internet, mas desta vez não há motivos para o ser.

O que Bowie fez de melhor não foi criar uma escola musical ou revolucionar um gênero, apesar dos bons hits, bons discos e a influência em gerações de músicas posteriores. A música foi o principal veículo que ele encontrou para expressar suas intenções artísticas e criativas, mas no fim das contas ele foi um performer e sua grande maestria foi usar carreira, palco e seus inúmeros personagens como um laboratório de testes sobre o que é ser um artista, um performer e sobre como é possível construir, desconstruir e manipular tudo isso.

Se até então Ziggy Stardust e os Spiders from Mars eram o melhor exemplo disso, as interpretações em torno da simbologia de "Blackstar" e do single "Lazarus" (letra e vídeo) indicam que temos agora uma amostra inimaginável e ainda mais emblemática dos happenings que só Bowie soube produzir.

3) Não adianta querer fazer textão sobre Bowie
Quando se tem Jon Pareles para condensar em um único parágrafo toda a significância da existência artística de Bowie, talvez o melhor a fazer seja apenas ler, reler e tresler o trecho do texto em questão. E também agradecer o fato de que há sempre alguém muito mais habilidoso em seu ofício para expressar e dar sentido àquilo que as nossas limitações nossas nos impedem de fazer.

"David Bowie, o compositor infinitamente mutante e ferozmente vanguardista que ensinou gerações de músicos o poder do drama, das imagens e personas, morreu no domingo, dois dias após seu aniversário de 69 anos."

Esta é uma tradução livre do obituário que o sempre brilhante Pareles escreveu para o New York Times. Nos regimentos internos do jornalão norte-americano, o primeiro parágrafo do obituário, chamado "cláusula quem", deve resumir com riqueza de detalhes a vida da personalidade citada.


PS: Meu agradecimento ao Nirvana, que regravou "The Man Who Sold the World" em seu acústico e, assim, me apresentou David Bowie.

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