11 de abr. de 2014

Kim, Joan, St. Vincent e Lorde: elas são Kurt

Talvez você tenha notado que apenas mulheres - Kim Gordon, Joan Jett, Lorde e St. Vincent - ocuparam os vocais que um dia pertenceram a Kurt Cobain na cerimônia que incluiu o Nirvana no Rock n' Roll of Fame. Elas fizeram o papel do front man do Nirvana enquanto Dave Grohl, Krist Novoselic e Pat Smear ocuparam seus respectivos postos de baterista, baixista e guitarrista durante a execução de alguns dos principais singles do Nirvana durante a cerimônia. Talvez você não tenha notado. Talvez esse detalhe não tivesse um significado em outro contexto. Mas, nas circunstâncias da noite de ontem, tinha.

Kurt era um cara consciente da prevalência de estruturas machistas e patriarcais no mundo em que vivia. E não se sentia confortável com isso. Em seus diários, disse que "sabia que era diferente. Pensava que era gay ou algo do tipo porque eu não conseguia me identificar com os caras de jeito algum. Nenhum deles gostava de arte ou música. Eles só queriam lutar e transar. Foi há muitos tempo, mas isso me deu esse ódio real pelo macho americano médio".

Em ocasiões diversas, demonstrou seu incômodo diante do sexismo. No encarte de "Incesticide", disse que não queria sexistas (e também racistas ou homofóbicos) em meio ao público do Nirvana. "Se algum de vocês odeia homossexuais, pessoas de cor diferente da sua ou mulheres, faça-nos um favor: deixe a gente em paz, porra. Não apareça em nossos shows nem compre nossos discos". Também eu seu diário, concluiu que "todos os 'ismos' se alimentam um do outro, mas no topo da cadeia alimentar ainda está o homem macho, forte, branco e corporativo. (...) Eu ainda acho que, para expandir em todos os outros ismos, o sexismo tem de ser completamente implodido".

Kurt namorou Toby Vail, ativista feminista e integrante do Go Team e do Bikini Kill, duas bandas da cena riot grrl. Escreveu "Rape Me" e "Polly", duas músicas que ele afirmava ser anti-estupro, apesar de nem todo mundo ter interpretado corretamente a primeira e da segunda não ser tão explícita quanto ao tema. Enxergou em Axl Rose um antagonista, talvez porque Rose integrasse a grande concorrente do Nirvana naquele início de anos 1990, talvez por treta típica de bastidores do rock, mas certamente porque identificava no comportamento do vocalista do Guns n' Roses e em sua música traços de sexismo e homofobia.

Por isso, e acho que só por isso, a inclusão do Nirvana no Rock n' Roll Hall of Fame, essa instituição parte careta, parte tiozona, parte chapa branca, tenha escapado das garras da vergonha alheia (apesar do momento piegas de Courtney e Dave Grohl se abraçando e encenando a dupla BFF). O Hall da Fama, com todos os adjetivos da frase anterior, vai na contramão da origem transgressora do rock. E o rock, apesar da natureza transgressora, nunca foi um terreno completamente livre do viés sexista que Kurt tanto rejeitava. Mesmo que de maneira sutil e indireta, Kim, Joan, St. Vincent e Lorde no lugar de Kurt (será de quem foi a ideia?) deram na noite de ontem o recado que Kurt insistiu em dar em seus 27 anos de vida e que nunca esteve tão na ordem do dia. Pena que quase ninguém captou a mensagem.

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Na TV norte-americana, a cerimônia de indução do Nirvana ao Hall da Fama - com as apresentações das moças à frente da banda - será exibida no dia 31 de maio, na HBO. Até as imagens oficiais caírem na rede para o mundo inteiro ver, dá para acompanhar boa parte da festa graças aos vídeos amadores dos convidados.






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