19 de jan. de 2012


Amiga e biógrafa de Elis Regina, a jornalista Regina Echeverria se surpreende ao perceber que se passaram três décadas da morte da cantora. "Trinta anos te dá uma dimensão de um tempo muito grande. E você toma um susto quando fala trinta anos. Já são três gerações. Pra mim, parece que ela está viva ainda", comenta a jornalista.

Na memória, ao menos, Elis, morta aos 36 anos, ainda está aí. Já nos anos 1970 Miele a taxava de "a primeira, a segunda e a terceira cantora do Brasil" e afirmações desse tipo não mudaram muito desde então. Elis ainda é considerada a melhor cantora do Brasil, sem hesitação, pelo menos por aqueles que conviveram e trabalharam com ela, ouvidos pelo Pampulha. Ninguém se arrisca a dizer que a cantora é insuperável, mas também não há quem conteste o consenso firmado ao longo desses anos. "É só ouvir os discos dela para confirmar isso. Mas nada é insuperável. Seria uma temeridade dizer isso", pondera o musicólogo Zuza Homem de Mello.

O resultado é que Elis se faz presente hoje mais até que 20 anos atrás, quando se completou uma década de sua morte. "Nos primeiros dez anos talvez ela tenha sido menos lembrada", compara Regina. Essa presença surpreende um dos filhos de Elis, o primogênito João Marcello Bôscoli, que um dia chegou a duvidar da permanência da mãe na memória do país. "Eu não imaginava que 30 anos depois houvesse tanta presença dela. Havia quase que uma preocupação minha. Eu me perguntava se num país que não tem exatamente como hábito cultuar suas estrelas: será que um dia a Elis vai ser uma artista que poucas pessoas vão conhecer?", confessa. Ele atribui ao uso da obra da mãe pelos veículos de comunicação um dos responsáveis pela persistência de Elis na memória do público brasileiro.

Tendo sido uma cantora que nasceu e se firmou na televisão (como certa vez observou Caetano Veloso), começando pelo festival da TV Excelsior, em 1965, quando cantou "Arrastão", e passando para a TV Record, no programa "Fino da Bossa, entre 1965 e 1967, ao lado de Jair Rodrigues, Elis lá permaneceu. Conforme lembra João, a cantora é figura recorrente em trilhas sonoras de novelas. Só no ano passado foram três: "20 anos Blues" em "Insensato Coração", da Globo, "Preciso Aprender a Ser Só", em "Amor e Revolução", do SBT, e "Aprendendo a Jogar", em "Vidas em Jogo", da Record. Desde a década de 1970, cerca de 40 novelas e séries incluiram músicas gravadas pela cantora em suas trilhas.

Maria Rita
Para os mais jovens soma-se ainda o "fator Maria Rita", ressalta João. "O aparecimento da Maria Rita foi um momento indiscutivelmente forte na trajetória da Elis. A gente percebe por pesquisas que ela apresentou a Elis para uma outra geração", comenta.

Ser lembrada como uma grande cantora já era predestinado para quem tinha naturalidade ao cantar, segundo quem a viu de perto e ao vivo, como o radialista Tutti Maravilha, amigo íntimo de Elis, a quem chama de "comadre". "O irmão dela tinha cabelo lisinho igual de índio e ela brincava: ‘Rogério, eu não tenho cabelo liso, mas eu canto!’. Pra Elis, cantar era como respirar. Ela soltava a voz e simplesmente cantava", afirma Tutti, que diariamente toca duas músicas de Elis em seu programa na Inconfidência FM.

Elis gravaria três de Telo
João Bosco, Belchior, Renato Teixeira, Ivan Lins. É grande a lista de compositores que Elis Regina ajudou a revelar para a música brasileira. Para o musicólogo Zuza Homem de Mello, esta é a principal referência deixada pela cantora. "Ela sempre estava à procura de novos compositores pro seu repertório e sabia escolhê-los e transformá-los de desconhecidos em ídolos nacionais", observa. Se estivesse viva, estaria fazendo o mesmo, ele opina. "Em Minas há muita gente que ela teria capacidade de descobrir, como o Kadu Vianna", sugere.

Mineiros sempre estiveram no repertório de Elis, caso de Milton Nascimento ("Maria Maria"), Lô Borges e Ronaldo Bastos ("Trem Azul") e Márcio e Telo Borges ("Vento de Maio"). Enquanto selecionava repertório para o sucessor de seu último disco de estúdio, "Elis", de 1980, pensou em incluir mais Minas eu seu repertório, segundo o compositor Telo Borges. "Mandei uma fita com umas dez músicas minhas. A gente trocou cartas e em uma delas ela falou que ia gravar no mínimo três músicas. Ela tinha me garantido isso e aí teve aquela fatalidade". Ainda inéditas, as músicas escolhidas por Elis eram "Alma de Borracha", "Quando Alguém me Abraça", ambas em parceria com o irmão Márcio, e "Sentimento".

*Reportagem publicada na edição de 7/01/2012

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